Ela disse que eu
sabia o motivo daquilo. E disse aos berros. Laura estava definitivamente
errada, mas contestá-la seria corajoso demais.
Bateu a porta do meu apartamento e saiu. O palavrão veio do vizinho do
lado, sempre incomodado com meus ruídos e os insetos casuais que atravessam
para seu lado pelo pequeno túnel na parede. Vou e volto pelo apartamento. Desde
sexta vou e volto pelo apartamento. Ocasionalmente caminho à padaria só para
reabastecer minha dispensa de embutidos, cervejas e cigarros. Comprei também
uma caneta nova, mas que ainda não usei. Hoje é terça e escrever me é mais
fácil nas noites de sexta, enquanto nada está dando certo em minha vida. Leio
os números no calendário que peguei no supermercado no inicio do ano. Quatro
dias e Laura se recusando a ouvir Mirrors.
terça-feira, 3 de junho de 2014
quinta-feira, 13 de março de 2014
hoje estamos em quartos separados, amanhã ninguém colocará o lixo pra fora e depois estaremos discutindo sobre quem fica com o cachorro
Até quando
ficaremos um ao lado do outro e não diremos nada? Até quando repartiremos
nossos sentimentos e nos deitaremos com outros e vamos acreditar que tudo isso
é normal? Deixaremo-nos ser levados pelo tempo, pela sorte e pelo amor? Mas
chega um certo ponto que o amor vira detalhe e todo resto, mais aparente,
ataca-me os olhos como mutilações, feridas expostas, putrefação, meus beijos à
ele que não sei quem é, mas que o invejo mais que odeio. Chega uma hora que não
é mais desistir, é seguir em frente. Até quando seremos um do outro? Até sermos
um do outro.
domingo, 2 de março de 2014
em uma nova dor
PARTE I
― Atende ―
ordenou Alice, sentada à sua frente.
A ligação caiu.
― Jorge! ― a voz
espirituosa vinha sobre sua cabeça.
Ele enxugou o
rosto com as costas das mãos e içou o olhar. Um paredão de velhos amigos o
estudava, alguns com preocupação, outros confusos ou curiosos.
O celular tocou
novamente. LÉO era o nome que aparecia no visor iluminado. A melodia que só
agradava a Jorge estava por acabar. Ele não se inclinou a atender aquela
chamada, embora a ordem de Alice fosse clara e insistente.
― O que houve? ―
perguntou uma das velhas amigas.
― Nada ― disse,
sem convencer sequer a si mesmo.
Outra chamada e
ele a atendeu.
Precisamos conversar, a voz do outro
lado da linha atravessou.
― Melhor
esquecermos isso ― respondeu, olhando para um ponto fixo no gramado.
O que você queria? Que eu simplesmente aceitasse?, indagava Léo,
esperando por uma resposta e certo de que ela não viria.
― Vamos deixar
como está. ― Ele falava sobre o beijo entre Léo e Stefano no sábado.
Quero esclarecer as coisas, suplicou.
― Daqui há uma,
duas semanas, um mês, talvez eu já esteja mais sossegado; seu namoro mais
estável e conversaremos sobre isso se você ainda se lembrar.
Você acha natural, é isso?, perguntou, e
se Jorge bem o conhecia, Léo estava com o cenho franzido n’outro lado da linha.
E que eu deveria, simplesmente, ignorar?
Você é mesmo muito volúvel.
― Volúvel? ―
Jorge negou com um aceno de cabeça que Léo não pode ver. ― Você quis dizer
puta?
Léo espantou-se
com a franqueza, algo que ficou claro nos minutos de atraso em sua resposta.
Aconteceu, disse, como se fosse suficiente para
se explicar. Eu não planejei. Stefano
estava ao meu lado enquanto você estava lá, com o Marcos.
― Esquece isso!
Eu só queria que as coisas ficassem certas entre
nós. Mas se você prefere tentar com o Marcos, mesmo ele estando em Goiânia e
você aqui.
― Goiânia é do
lado. E não, eu não quero tentar com ele.
Então vamos tentar nós dois. E havia tanta
verdade naquela proposta...
― Já estou em
uma nova dor ― disse, sobre a saudade que ficou da despedida de Marcos. ― Se
lembra do que éramos, Léo, e do que você disse que lutaria para continuar a
sermos?
Léo se lembrava,
mas não era o bastante. A ligação caiu.
r
― O que foi
isso? ― perguntou a velha amiga.
Jorge respirou
profundamente, permitindo-se um tempo.
― Lembra que eu
falei sobre o Léo?
― Sim, sobre a
festa em que você ficou com uma garota ― disse.
Alice ruborizada
desviava o sorriso.
― Foi exatamente
ai que começou.
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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
eu te entendo, Leo
Hoje é um
daqueles dias que não acontece nada, absolutamente nada. Laura me ligou, disse
que estava na festa de Fabrício, ou em casa com os amigos. Eu não a entendi
direito. Estava naquele estado em que não se sabe ao certo se está dormindo ou
acordado. Passei o dia inteiro assim. Fui da cama para a escrevinha, e de lá para
a cama outra vez. Perdi horas em frente à máquina de escrever. O papel
amarelado ficou em branco o dia inteiro.
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
era
Era mais que um
par de olhos mansos, eram águas para mergulho, rio que o leva consigo em seu
fluxo. Era afogar-se. Não eram apenas lábios, batom claro e um sorriso. Era
arte, simetria, curvas formando labirintos espiralados, hipnóticos. Era
encantar-se. Era muito para serem apenas
cabelos esvoaçantes. Era manto, fibras de ouro, brilho, calor. Era
acalentar-se. Era uma mulher, e pouco apropriado para uma descrição dela. Era
musa, inspiração, quase uma deusa. Era uma nova paixão platônica a cada novo
minuto. Era apaixonar-se.
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
06/09
Estou tão virgem
que nem sabia que hoje era dia do sexo até a última checada em meus e-mails.
Ninguém havia me convidado para fazer nada exatamente, mas aquele seis próximo
ao nove me lembrava algo. Me perguntei se a venda de preservativos aumentava
como a de meias no Dia dos Pais ou a de flores no Dia de Finados. Imaginei os sex shops às dezenas, mulheres pela
loja observando discretamente os homens sozinhos, solteiros. Elas sabem como
identificar essas coisas. A nós homens, são detalhes dispensáveis. Mesmo de
aliança no dedo, em dias como este, toda mulher é livre para ser flertada. Todo
homem é livre para levar um toco. A do bar me disse não, e nem explicou as
razões. Não e ponto. Não e exclamação para demonstrar todo seu desgosto. Não na
segunda, terceira e quarta tentativa. Okay.
Era o “sim” da quinta mulher, ao menos foi como o interpretei. Eu havia mudado
a abordagem. Nada de “Eu. Você. 6/9” e as bochechas roxas com os cinco dedos dela estampados acima da barba. “O que acha de irmos para um lugar mais reservado?”
até parecia charmoso no começo, mas minha língua coçava desejando prosseguir.
“Um lugar que possamos ficar pelados sem ninguém nos incomo—“. Ela sequer me
deixou terminar a frase. Mas para a quinta fui franco, disse minha intenção de
modo direto. “Que tal passar aqui no meu apartamento hoje?” disse. “Okay”. Abandono a calça e a camisa,
troco o samba-canção por uma box. O som toca What Goes Around... Comes Around, como ela gosta. Vinte minutos
depois ela aparece. Confiro as cervejas na mesa de centro — os livros e papéis
soltos foram para trás do sofá. Abro a porta, ela está mais vestida do que eu e sorri desinibida.
— Engraçado —
ela diz, me surpreendendo — como os anos de amizade nos levam a esses momentos
tão íntimos.
Laura aperta os
olhos, aumentando o sorriso.
Assistimos In
Time hoje à noite.
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
lembrete: jamais me esquecer de carregar sempre uma caneta
Sexta-feira. Ainda
está à tarde. Ela segue cinza e monótona dentro do meu apartamento. Laura veio
ontem aqui, me entregou duas carteiras de cigarro e me pediu novas histórias.
Eu não penso mais em nada, não consigo uma palavra sequer sobre o papel. Laura
não me cobra. Está ocupada com o cara que lhe deu uma aliança. As pessoas saem
do trabalho agora, eu deito os braços sobre a janela e fico imaginando para
onde seguem ao dobrarem a rua. Os carros
brilham pela Ipiranga e observá-los sempre me causa vertigem. Vou para o
banheiro e erro o sanitário. Todo o chão está sujo e abandono o apartamento
para não ter que limpar aquela bagunça. Caminho pela calçada até o bar mais
próximo e desço cerveja e bile pela garganta. Ouço as conversas que me alcançam pelas laterais — e nada eu
poderia aproveitar em um romance. Jogo a cabeça para trás, a luz alcança meus
olhos e me cega por alguns minutos. Estou concentrado na música que vem das
caixas de som afixadas nos pilares, ela é calma e triste. Não entendo o
paradoxo — a tristeza nunca acalma. A luz se apaga dos meus olhos e
ascende dentro de mim, onde nasce o engenho. Bato a mão nos bolsos enquanto a
outra alcança um guardanapo. Talvez eu tenha saído tão de presa que só muni os
bolsos com algumas notas e a chave do apartamento. Ando até o balcão, o homem
me diz que vai tomar uma caneta e some na parte de trás. A ideia vai sumindo na
minha mente. Corro para casa. Sobre o balcão ficam minhas notas e o guardanapo
amassado. Abro a porta com alguma dificuldade e caminho até a escrivaninha.
Duas canetas falham e na terceira tentativa perco o fio da meada. Jogo o corpo
sobre a cadeira, sinto os músculos do meu rosto em uma expressão de decepção. O
rosto de Laura vem à minha mente, suas sobrancelhas estão próximas e os lábios
tensos. Apago sua imagem sentindo o cheiro forte do vômito no banheiro.
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sexta-feira, 19 de julho de 2013
o desejo, a surpresa, o engano e a saudade
Entendi que
estava em dívida com Laura. Ela se oferece para ler meus manuscritos, cria as
melhores capas e costura meus livros. Eu nunca a retribuí à altura, talvez por
descuido ou por ter a cabeça cheia de personagens que me afastam do que tenho
de real. Laura me disse uma vez que tinha um único desejo: conhecer meu apartamento. De início fiquei excitado e ansioso, mas
no dia seguinte ela apareceu com uma aliança no dedo. Conclui que estava errado
quanto à ideia dela visitar meu apartamento, então descartei futuros convites. Mas
há alguns dias ela voltou com essa ideia; a aliança continuava no dedo. Eu a
encontrei no bar perto de casa, ela não quis tomar nada e eu já tinha acabado o
segundo copo de cerveja. Subimos para meu apartamento minutos depois, Laura e
eu não trocávamos olhares nem palavras. Eu queria poder ler sua mente; seus
pensamentos levianos justificava o silêncio, conclui. Abri a porta do
apartamento, ela passou antes de mim sem ir muito longe. Os pés presos ao
concreto, a boca entreaberta continuava emudecida e alguns traços ressaltados
em seu rosto sugeriam meditação e espanto.
— Por que você
mora aqui? — perguntou a mim, analisando a bagunça que percorria a sala até o
corredor.
Eu não disse
nada, apenas torcia para que meu rosto não estivesse ruborizado e divaguei: Meu
pai havia morrido há alguns anos, nunca havíamos conversado sobre minha mãe e
por tanto eu estava sozinho. Ele havia me deixado dinheiro suficiente para
levar uma vida de burguês e manter o apartamento em melhores condições, mas
torrei tudo no ano de sua morte. Fechei a porta e caminhei até a janela. O Copan
surgido dos rabiscos de Niemeyer. Era minha lembrança de casa, um modo de não
pesar a saudade do Planalto. Laura me
olhou com cumplicidade, parecia compreender meu silêncio.
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sexta-feira, 12 de julho de 2013
primeira noite
Olho contra a
janela e o vai e vem dos carros me causa vertigem. Os moleques cambaleiam pelas
calçadas e gritam coisas que, do terceiro andar, eu não posso compreender. Meu
apartamento é velho, as paredes descascadas e em certos pontos manchadas de
mofo. Reclamo delas todos os dias, mas nunca estive verdadeiramente inclinado a
repará-las. O sindico disse que não pode fazer nada por mim enquanto não pagar
os aluguéis atrasados. Faz meses que não o xingo, ele vem sendo gentil
permitindo que eu continue aqui. Os palavrões estão soltos dentro de mim, como
um martírio. A fumaça não me afeta mais, nem as bossas de Vinícius e Tom Jobim.
Várias pontas de cigarro espalhadas sobre a mesa; uma delas queimou o
manuscrito, em pólen soft, que eu
vinha escrevendo há quase um ano. Deixo escapar um dos meus mais leves
palavrões só para não cair na abstinência. Hoje estou desmotivado e todos meus
amigos saíram para beber.
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